A Nova Fronteira da Confiabilidade: Lições do 40º Congresso ABRAMAN na Visão da Confialub Noria Brasil

O 40º Congresso Brasileiro de Manutenção e Gestão de Ativos, realizado pela ABRAMAN no Rio de Janeiro (Set/2025), não foi apenas um evento de atualização, mas um verdadeiro diagnóstico da maturidade do setor. Para nós, instrutores da Confialub Noria Brasil, que estivemos presentes analisando as principais palestras e debates, a mensagem central foi inequívoca: a manutenção transcendeu sua função operacional e se consolidou como um pilar estratégico da competitividade industrial.

As discussões mais impactantes convergiram para uma tese central: o sucesso sustentável não virá de ferramentas isoladas, mas da integração de três níveis. Primeiro, uma visão macro de Gestão de Ativos (ISO 55001) alinhada à cultura. Segundo, a digitalização como motor prescritivo (IA, IoT e dados). E terceiro, a aplicação de inovações tecnológicas de alta especificidade para resolver problemas crônicos de lubrificação e confiabilidade no “chão de fábrica”.

1. O Pilar Macro: A Gestão de Ativos como DNA Organizacional

A era da manutenção reativa ou puramente preventiva está sendo substituída pela gestão estratégica do ciclo de vida. O instrutor Gleidson Batista observou que a norma ISO 55001 deixou de ser um “selo” para se tornar a estrutura dorsal que alinha risco, custo e desempenho.

Essa maturidade foi exemplificada de forma contundente nos casos da Transpetro e Petrobras. Como observado por Gleidson Batista e Duílio Marques, a jornada de 10 anos da Petrobras na gestão de ativos, culminando na certificação ISO 55001, revelou pontos fortes cruciais: o comprometimento ativo dos gestores, a solidez das instalações e uma integração eficaz entre áreas. O programa estratégico “SGA+” da empresa, estruturado nos pilares “+Humano”, “+Valor”, “+Excelência” e “+Sustentabilidade”, é a prova de que a gestão de ativos é um sistema “vivo e orientado a valor”.

Os resultados quantitativos dessa abordagem estratégica são expressivos: Gleidson Batista destacou um aumento de 10% na disponibilidade operacional, uma drástica redução de 95% nos estoques excedentes e, o mais importante, zero acidentes desde 2021.

No entanto, como Batista também apontou em outra palestra sobre liderança, a ferramenta não funciona sem a cultura. A verdadeira confiabilidade floresce da “liderança próxima” e da comunicação. Pessoas são o coração dos processos e “só mudam quando enxergam valor”. De nada adianta um sistema se a política de ativos não é conhecida ou se não há um plano de capacitação baseado em competências, lacunas frequentemente identificadas em auditorias.

2. A Ponte entre Estratégia e Ação: O IQPL

Se a ISO 55001 é a estratégia macro, como garantir que ela chegue ao plano de manutenção de forma eficaz? O instrutor Alex Rangel identificou na palestra sobre o IQPL (Índice de Qualidade de Planos) a resposta para a “crise silenciosa na transferência de projetos” – a lacuna crônica entre a engenharia de projeto e a engenharia de manutenção.

O conceito é revolucionário por sua simplicidade: o plano de manutenção não é garantia de resultado, é apenas a “tradução da estratégia”. O IQPL surge como a métrica para quantificar a eficácia desse plano antes da falha. Baseado em 35 variáveis, o índice avalia seis conceitos-chave: Tolerância a Falhas (a robustez do plano), Segurança, Cobertura (abrangência sobre os modos de falha), Abrangência da Programação, Tempo (otimização de frequências) e Recursos.

Na prática, como observado por Rangel, a implementação de Controles Iniciais (CI) via plataformas digitais como o Teamcenter permitiu uma redução de 23% no tempo de execução desses controles, melhorando a rastreabilidade e identificando “gargalos em formação”. O IQPL, como também notou Gleidson Batista em suas anotações sobre o tema, permite que a manutenção saia da análise de perdas (onde 71% estão ligadas à duração das atividades) e atue na causa-raiz, otimizando o MTBF e o MTTR de forma proativa.

3. O Motor Digital: Da Predição à Prescrição

Com a estratégia definida (ISO 55001) e os planos validados (IQPL), a tecnologia entra como um acelerador. Gleidson Batista acompanhou a palestra de Marcello Salvatore (Infralink) sobre IoT e IA, e a mudança de paradigma é clara: estamos saindo da manutenção preditiva para a prescritiva.

Não se trata mais apenas de monitorar vibração ou temperatura para prever que algo vai falhar. A IA, alimentada por dados de IoT, usa estatística preditiva e machine learning para recomendar a melhor decisão antes da falha (manutenção prescritiva). Isso impacta diretamente o OEE, o MTBF e permite uma gestão de estoques alinhada à probabilidade real de falha, liberando capital imobilizado.

Paralelamente, o instrutor Duílio Marques destacou uma ferramenta de democratização dessa análise de dados: um aplicativo web open source (Python/Streamlit) para análise de confiabilidade com distribuição Weibull. A ferramenta automatiza o cálculo dos parâmetros cruciais: o β (beta), que indica o regime de falha (β < 1 para falhas precoces, β = 1 para aleatórias, β > 1 para desgaste), e o η (eta), que representa o tempo em que 63,2% dos itens terão falhado. Essa ferramenta permite que engenheiros foquem na interpretação dos dados para definir intervalos ideais de manutenção, em vez de se perderem nos cálculos.

4. Inovações Táticas: Resolvendo Problemas Crônicos de Lubrificação

Para a “Revista Lubrificação de Máquinas”, o coração do congresso esteve nas soluções tecnológicas aplicadas diretamente aos sistemas lubrificados.

A Batalha contra o Verniz: A “Diálise” do Óleo Alex Rangel acompanhou a palestra de Sérgio Moreira Monteiro (Purilub) sobre o “inimigo silencioso” da confiabilidade: o verniz. Foi detalhado como a degradação do óleo – via oxidação, thermal stressing ou micro-dieseling – gera subprodutos polares que bloqueiam filtros e válvulas. A palestra foi taxativa ao classificar a troca de óleo e o flushing químico como soluções paliativas, custosas e temporárias, que tratam sintomas.

A inovação definitiva apresentada foi a tecnologia de resina iônica. Atuando como uma “diálise” do sistema (muitas vezes em bypass), a resina usa atração iônica e troca química para remover seletivamente os precursores polares do verniz, antes mesmo que eles se aglomerem. Trata-se de um condicionamento químico que estabiliza o fluido e aumenta drasticamente sua vida útil e a do ativo, sem necessidade de parada.

Eliminando a Falha Mecânica: Acoplamentos Magnéticos Um problema recorrente que afeta diretamente a lubrificação e a integridade dos ativos é a transmissão de vibração e desalinhamento. Alex Rangel e Duílio Marques observaram a palestra de Flávio Carvalho (Vale) sobre um caso crônico na bomba Vickers TWS360. A análise de causa raiz apontou quatro modos de falha: desgaste acelerado, falhas de montagem (desalinhamento), contaminação do lubrificante e quebra do elemento elástico.

A solução inovadora foi a substituição do acoplamento flexível por um acoplamento magnético. O princípio é a transmissão de torque através de um campo magnético permanente, sem contato mecânico. As vantagens são imediatas: tolerância a desalinhamentos (axiais, paralelos e angulares), isolamento vibratório completo (a bomba e o motor se tornam independentes) e uma partida suave (“carpete baixo”), que elimina picos de corrente. Duílio Marques registrou o resultado da medição de vibração: uma queda drástica de 5 mm/s para 1 mm/s, garantindo um regime contínuo.

Lubrificação Inteligente: Fim da Rotina de Calendário Por fim, Alex Rangel destacou o caso da Vale sobre monitoramento inteligente de lubrificação em transportadores de correia. O problema clássico: a lubrificação baseada em calendário, sujeita a super ou sub-lubrificação. A solução combinou sensores de vibração sem fio (facilitando a instalação em pontos de difícil acesso) com um algoritmo inteligente. A grande sacada tecnológica, segundo Rangel, é que o sistema não apenas aprende a “assinatura vibracional” de um mancal que precisa de graxa, mas também confirma que a atividade de lubrificação foi executada corretamente, digitalizando e garantindo a eficácia de uma rotina crítica.

5. O Ciclo Virtuoso: A Excelência nos Fundamentos

Apesar de todas as inovações, a mesa redonda com Fabiola (VLI) e Matheus Resende (Vale), observada por Alex Rangel, reforçou que a excelência começa no básico. O debate consolidou o “Ciclo Virtuoso da Confiabilidade” em três pilares:

  1. Diagnóstico (Análise de Óleo): Baseado na ISO 14880-1. Foi ressaltado que 90% dos diagnósticos errados vêm de amostras mal coletadas, destacando a importância de procedimentos padronizados e a sinergia entre laboratórios de campo (triagem rápida) e centrais.
  2. Ação (Filtração): A análise identifica o problema (ex: contaminação por partículas, norma ISO 4406); a filtração de alta eficiência é a estratégia de manutenção que o resolve, impactando a segurança e a vida útil.
  3. Estratégia (Plano de Lubrificação): Como enfatizou Matheus Resende, é preciso evoluir do “bater graxa até vazar” para um plano tático alinhado à gestão (ICML 55.1), que inclui desde a seleção correta até o armazenamento e manuseio para evitar contaminação antes mesmo da aplicação.

6. A Próxima Fronteira: A Astrofísica na Manutenção

Se o presente é prescritivo, o futuro é da visão computacional. Gleidson Batista destacou uma palestra disruptiva que conecta algoritmos de astrofísica à manutenção. A mesma técnica usada para medir deslocamentos minúsculos de corpos celestes está sendo aplicada para medir vibrações estruturais (ODS – Operational Deflection Shapes) na ordem de milésimos de milímetro, identificando frouxidão e trincas.

Na lubrificação, a analogia é ainda mais poderosa: assim como o telescópio James Webb mede a absorção de luz para detectar água em atmosferas planetárias, sensores ópticos monitoram a absorção no espectro infravermelho dentro do reservatório para detectar água e oxidação em tempo real. Combinada com microscopia e visão computacional (ferrografia analítica), a tecnologia já classifica tamanho, formato e quantidade de partículas, prevendo o RUL (Remaining Useful Life) do lubrificante com uma precisão inédita.

Conclusão

O 40º Congresso ABRAMAN, sob a ótica dos instrutores da Confialub Noria Brasil, cimentou uma realidade: a confiabilidade de classe mundial é um ecossistema. Ela exige a visão estratégica da ISO 55001 (como no caso Petrobras), a disciplina de processos do IQPL, a coragem para adotar tecnologias específicas (como resinas iônicas e acoplamentos magnéticos) e a inteligência da IA para transformar dados em ação prescritiva. A integração total entre Pessoas, Processos e Tecnologia deixou de ser um ideal para se tornar o DNA das organizações que liderarão o futuro.

[Por Alex Rangel, Duílio Marques e Gleidson Batista – consultores da Confialub]

Leia mais...

imagem_2025-10-21_164509820
A Revolução na Indústria: Por que suas Máquinas estão Mandando e Você está Obedecendo

Prestem atenção, profissionais de manutenção. Vou dizer algo que vai deixá-los desconfortáveis e, francamente, não me importo se vai ferir seus sentimentos. Sua operação de manufatura está falhando, suas máquinas estão no comando, e vocês estão seguindo ordens de equipamentos que deveriam estar seguindo as suas ordens. Minha empresa está nesta indústria há mais de …

drop-oil
O Poder do Lubrificante: Como uma Gota de Óleo Pode Prever o Futuro da Manutenção

A manutenção industrial moderna enfrenta desafios constantes para garantir a continuidade operacional, aumentar a eficiência dos processos e minimizar o impacto de falhas inesperadas. Entre as várias abordagens que têm ganhado destaque, a manutenção preditiva tem se consolidado como uma das mais eficazes, principalmente quando combinada com a análise de óleo e fluidos. Em muitas …

FAS854FSAD84SDF
Atenção! Os Lubrificantes Recomendados pelo Fabricante Podem Não Ser a Melhor Escolha

Ao manter ativos lubrificados em uma planta industrial, a crença comum é de que seguir a recomendação de lubrificante do Fabricante Original de Equipamento (OEM) é a rota mais segura e eficaz. Esse conselho se baseia na confiança no conhecimento dos fabricantes e na suposição de que suas recomendações estão alinhadas com os melhores interesses …

vibration
Vibração: Causa ou Efeito de Falha em Máquinas?

A compreensão da análise de vibração em máquinas muitas vezes gera confusão sobre se a vibração é a causa de um problema, o resultado de um problema, ou ambos. Essa confusão pode levar a erros significativos na análise de dados. Vamos esclarecer essa questão. Vibração como Causa Excesso de vibração em máquinas pode desencadear uma …

imagem_2025-10-21_174038341
Um Olhar Honesto sobre os Problemas dos Lubrificantes de Grau Alimentício

Como Especialista em Lubrificação em uma fábrica de grau alimentício, eu enfrento desafios únicos que precisam ser pensados na hora de escolher e usar lubrificantes de grau alimentício. Eu trabalho na Blue Buffalo, onde fazemos comida para cães e gatos, mas nossas regras — definidas pela FDA e pela NSF — são as mesmas seguidas …

imagem_2025-04-25_103119139
Fator Humano: O que é e por que é essencial para a Performance Industrial?

O Fator Humano reúne o conjunto de habilidades, conhecimentos, atitudes e motivações que cada colaborador acrescenta ao processo produtivo. Não se trata apenas de quantificar treinamentos ou exigir certificações, mas de compreender como as pessoas interagem com sistemas complexos de tecnologia e ambiente de trabalho. Quando um operador executa uma sequência de lubrificação, ele não …