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Junho de 2025

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Cinderela Seria a Gerente de Confiabilidade Perfeita

Se você pudesse escolher um personagem de ficção para ser seu Gerente de Engenharia e Confiabilidade, quem seria? O Superman poderia te dar a força para mover montanhas. O Flash poderia te ajudar a acelerar projetos em tempo recorde. Mas minha escolha pode te surpreender: eu escolheria a Cinderela.

Esqueça a busca por um equilíbrio “na medida certa”. A verdadeira lição da Cinderela para a engenharia é sobre precisão absoluta e consequências inflexíveis. A magia da Fada Madrinha não era flexível; ela funcionava sob regras estritas com um prazo fatal: a meia-noite. E o sapatinho de cristal não servia “quase” bem em ninguém; ele exigia um ajuste perfeito.

Essa mentalidade de precisão, prazos e adequação exata é o cerne das boas práticas de engenharia e manutenção. Deixe-me explicar conectando a filosofia dela a duas ideias fundamentais em nossa indústria: Manutenção Centrada em Confiabilidade (RCM) e Estado Ótimo de Referência (ORS).


Manutenção Centrada em Confiabilidade (RCM): O Jeito Cinderela

A RCM é um processo estruturado para determinar a estratégia de manutenção correta para alcançar a confiabilidade desejada, e não necessariamente o nível mais alto de confiabilidade a qualquer custo.

Pense na principal restrição da Cinderela: a meia-noite. A Fada Madrinha proveu uma solução de altíssima performance (carruagem, cavalos, vestido), mas com uma vida útil estritamente definida. O objetivo da Cinderela não era maximizar sua noite “para sempre”, mas operar com sucesso dentro daquele prazo e sair antes da falha catastrófica. Ficar até 00:01 não era uma opção de risco calculado; era a certeza do colapso do sistema.

Da mesma forma, a RCM nos força a entender a “meia-noite” de cada um dos nossos ativos.

Estratégia de ManutençãoAção NecessáriaObjetivo Baseado em RCM
Rodar até a falha (reativa)Reparar ou substituir na falhaNão crítico. Custos para controlar ou detectar falha excedem os benefícios.
Descarte ou restauração programada (preventiva)Reparar ou substituir no prazo ou em ciclosO ativo possui um MTBF (Tempo Médio Entre Falhas) bem documentado e um pequeno desvio padrão.
Monitoramento protetivo de condiçãoEmprega sensores e monitores para automatizar o desligamento do equipamentoAutopreservação – evitar lesões, consequências ambientais e/ou danos colaterais.
Manutenção baseada em condição reativa (preditiva)Emprega monitoramento de condição para detectar falhas em estágio inicial. A substituição ou reparo é agendada com base na condição.O ativo falha aleatoriamente. A natureza crítica justifica técnicas de detecção precoce.
Manutenção baseada em condição proativaO monitoramento de condição detecta a presença de causas raízes de falha, permitindo correção preventivaO objetivo é reduzir a taxa de falhas por um determinado período.
Manutenção de precisãoMétodos de precisão usados para instalar e/ou ajustar máquinasReduzir falhas no início da vida útil.
RedesenhoMudanças em hardware, carregamento, projeto e/ou procedimentosAumentar a confiabilidade inerente.
RedundânciaImplementar sistemas redundantes de carga compartilhada ativa ou em esperaAtivos de missão crítica para os quais nenhuma outra abordagem é aceitável.

O modo desejado de falha da máquina é:
1) Falhar lentamente
2) Falhar ruidosamente
3) Emitir muitos sinais de alerta facilmente detectáveis durante a falha.

Na RCM, perguntamos: “Qual é a estratégia de manutenção correta para atingir o nível de confiabilidade desejado, gerenciando a consequência da falha?” Monitorar a carruagem a cada minuto com um relógio seria um desperdício. Ignorar o tempo completamente levaria ao desastre. A estratégia certa, como a da Cinderela, é conhecer o limite e ter um plano para agir antes dele.


Estado Ótimo de Referência (ORS): Exigindo o Ajuste Perfeito

O ORS trata de identificar as melhores condições, práticas e especificações para maximizar a vida útil e a confiabilidade do equipamento. Aqui, a metáfora do sapatinho de cristal é perfeita.

Pegue a seleção de lubrificantes como exemplo. O príncipe não estava procurando um pé que “quase” servisse. Era tudo ou nada. Da mesma forma, usar um óleo básico econômico em uma máquina crítica é como tentar calçar um coturno de madeira no pé da Cinderela. Usar óleos sintéticos premium em todos os equipamentos, por outro lado, é como criar mil sapatinhos de cristal para todo o reino — um desperdício de recursos. A solução ORS é uma especificação precisa: usar o “sapatinho de cristal” (o óleo sintético) apenas onde ele é o único que serve, e usar soluções adequadas e econômicas para o resto.

Frequência de Análise de Óleo: A Busca do Príncipe

A mentalidade da Cinderela, ou melhor, do príncipe, também se aplica à frequência da análise de óleo. O príncipe não testou o sapato em todas as cidadãs do reino aleatoriamente. Ele focou sua busca com base em uma estratégia (as que estavam no baile), otimizando seu tempo:

  • Alguns equipamentos (cidadãs que não foram ao baile) podem não exigir amostragem alguma.
  • Outros (as irmãs postiças) podem precisar de verificação periódica.
  • Muitos (as candidatas mais prováveis) se encaixarão em algum lugar no meio, precisando de amostragem periódica em intervalos sensatos.

O objetivo é monitorar com frequência suficiente para identificar problemas, mas não com tanta frequência a ponto de desperdiçar recursos. Como regra geral, os intervalos de amostragem de óleo não devem ser, em geral, mais de 50% do intervalo P-F conhecido, se houver dados suficientes. A Cinderela naturalmente aprovaria uma estratégia de busca eficiente, não uma busca aleatória e dispendiosa.

Seleção de Filtros: Nem Grande Demais, Nem Pequeno Demais

A seleção do filtro certo espelha o ajuste perfeito do sapatinho. Caixas de engrenagens podem precisar de um nível de limpeza ISO 4406 em torno de 18/16. Sistemas hidráulicos frequentemente exigem óleo muito mais limpo, próximo de 14/11 – o que é cerca de 16 vezes mais limpo.

Usar um filtro muito grosso para um sistema sensível é um erro fatal. Usar um filtro ultrafino (e caro) para um sistema simples é desperdício. A Cinderela não usaria um sapato tamanho 40, nem tentaria calçar um tamanho 34. Ela exigiria a especificação exata para a necessidade.

Acessórios para Equipamentos: A Transformação da Fada Madrinha

Ao equipar ou modificar equipamentos, lembre-se da Fada Madrinha. Ela não deu apenas um vestido à Cinderela. Ela criou um sistema completo e funcional: carruagem, cavalos, cocheiro e lacaios. Cada peça era essencial para o objetivo. Adicionar visores, bujões magnéticos ou portas de amostragem é como a Fada Madrinha escolhendo os componentes certos. As atualizações devem ser inteligentes e direcionadas, agregando valor real à confiabilidade, e não apenas “extras” desnecessários.

Construindo a Equipe Certa

Finalmente, a Cinderela saberia que montar uma equipe de confiabilidade também é uma questão de transformação estratégica. A Fada Madrinha não transformou apenas ratos em cavalos. Ela usou uma abóbora, ratos, um ratazão e lagartos. Cada um, com sua natureza distinta, foi transformado em uma parte essencial de uma equipe funcional.

Uma equipe de confiabilidade de ponta não é homogênea. Ela precisa da mistura certa de habilidades: mecânicos e montadores experientes, engenheiros com conhecimento prático, analistas ágeis e novos talentos. Uma equipe que, como a comitiva da Cinderela, é montada com peças diferentes para formar um todo perfeito.


Consideração Final

A Cinderela pode não ter a força do Superman ou a velocidade do Flash, mas ela tem algo ainda mais valioso para a liderança em confiabilidade: a compreensão da precisão absoluta (o sapatinho de cristal) e o respeito por limites operacionais e suas consequências (a meia-noite). Essa é exatamente a mentalidade necessária para liderar um programa de manutenção de classe mundial.

Por Jerry Putt.
Traduzido e adaptado pela equipe de conteúdos da Noria Brasil.
Atualizado em 10/07/2025.